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quinta-feira, 29 de março de 2012


UMA NOVA ERA - Tio Rei foi citado numa reportagem da revista Serafina, da Folha. Um trechinho de nada, bem pequeno! Mas vejam quanta coisa eu descobri lá!

Um leitor me envia o link, eu não a havia lido, da reportagem-perfil que a revista “Serafina”, da Folha, fez com Luciana Villas-Boas no domingo passado, assinada por Raquel Cozer. Luciana era diretora editorial do grupo Record, o maior do país dedicado à publicação de livros (e que me edita), mas decidiu sair e criar a sua própria agência literária. Ficará baseada em Atlanta, nos EUA.
Muito bem. Num dado momento, este escriba é citado no texto. Reproduzo o trecho em vermelho.
O período na Record marcou uma transição ideológica de Luciana, que as fotos ajudam a ilustrar. Numa imagem de 1981, ela aparece sorridente ao lado de Fidel Castro. “Emir Sader me seduziu com uma viagem a Cuba”, acha graça, referindo-se ao ex-marido, cientista político e pai de seus dois filhos, Maria Isabel, 22, e Miguel, 20.
O que mudou tudo foi o governo Lula, em quem votou em 2002. “A ferocidade com que o partido se aferrou ao poder me chocou. Não era o que pregávamos.”
A guinada de Luciana coincidiu com a da editora. A casa, que já publicou a bíblia esquerdista “New Left Review”, passou a ter entre seus autores opositores ao governo Lula, como Fernando Henrique Cardoso e os jornalistas Reinaldo Azevedo, Merval Pereira e o ex-redator-chefe da “Veja” Mario Sabino - que era namorado de Luciana.
Epa, epa, epa! Aí não! E por várias razões!
Conheço Luciana Villas-Boas desde 1996. À época, eu era crítico do governo FHC — sou crítico de todos os governos desde, deixem-me ver, Ernesto Geisel! Isto mesmo: foi quando comecei a me interessar por política e me liguei à Convergência Socialista. De Fidel Castro, nunca fui admirador, mas fiz outras bobagens. Vocês já conhecem essa história. Gente mais esperta, ou espertalhona, do que eu é governo desde Geisel… Muito bem: por amizade, Luciana teria me pubicado antes. Por afinidade ideológica, dado o contexto, também.
Desconheço que a Record tenha dado uma “guinada editorial” do modo como está no texto, especialmente como fruto da eventual conversão pessoal da diretora editorial. As coisas não funcionam dessa maneira, devo esclarecer em benefício de Luciana, da Record e da verdade (provo depois).
Nem eu nem os demais autores passamos a ser publicados pela Record porque “opositores ao governo Lula”, como diz o texto. Dos citados,  creio que o único que merece essa denominação é FHC. Mas a motivação obviamente não foi essa. Que editora do país, a não ser num estado policial petista (estamos quase lá, mas ainda não!), recusaria um livro seu? E notem que fica parecendo que a Record “era de esquerda” (falso!) quando o PT era oposição e mudou de lado (também falso!) quando o partido virou governo. Ora, se a referência do grupo para assumir uma postura ideológica fosse levar em conta quem está ou não no poder, das duas uma: ou todos por lá são loucos ou são candidatos a heróis.
O fato e o óbvio estão em outro lugar: o maior grupo editorial do país deve ter um compromisso, e tem, com a pluralidade e com a democracia. Publicar autores CRÍTICOS do governo Lula não deveria ter importância nenhuma, não deveria ser notícia. E deveria ser assim ainda que fossem, de fato, “opositores”.
Há mais correções a fazer em trecho tão curto. Os meus livros e o de Merval, publicados pela Record, reúnem artigos sobre política, boa parte deles com críticas ao governo — UMA OBRIGAÇÃO DO JORNALISMO. Um “opositor” tem um programa de ação e está ligado a um grupo para chegar ao poder. Nem eu nem Merval estamos nessa. Quanto a Mario Sabino, a referência consegue ser ainda mais impertinente. Ele é romancista e contista, publicado hoje em 10 países. Não há uma só linha em sua literatura que possa caracterizá-lo como “opositor ao governo Lula”.
Musil
Em “O Homem Sem Qualidades”, o grande Musil detecta o momento em que se pode dizer que se está diante de uma nova era. Assim (em azul) - volto depois:
 “Algo imponderável. Um presságio. Uma ilusão. Como quando um ímã larga a limalha, e esta se mistura toda outra vez. Como quando fios de novelos se desmancham. Quando um cortejo se dispersa. Quando uma orquestra começa a desafinar. (…) Ideias que antes possuíam um magro valor engordavam. Pessoas antigamente ignoradas tornavam-se famosas. O grosseiro se suaviza. (…) havia apenas um pouco de ruindade demais misturada ao que era bom, engano demais na verdade, flexibilidade demais nos significados (…)”
Voltei
O grosseiro se suaviza… É isto! Os que são considerados “opositores ao governo Lula” só podem ser publicados pelo maior grupo editorial do país (voltado para livros) como um ato de generosidade e ou de conversão pessoal de quem decide — não se pense jamais em merecimento!, nem mesmo aquele que nasce de uma visão, vá lá, instrumental: “O País dos Petralhas”, por exemplo, vendeu 50 mil exemplares, marca excelente no Brasil.
Estamos diante de uma nova era. Há “ruindade demais misturada ao que era bom”. Ainda que as coisas sejam ditas de modo sutil, quase imperceptível, está em curso uma espécie de criminalização da divergência. Todo mundo sabe que chamo as pessoas pelo nome. Não estou acusando Raquel Cozer de ser  mal intencionada, não! Se achasse, vocês sabem que diria. É possível que ela própria não tenha se dado conta do que escreveu.
Enquanto o selo Record publicava Reinaldo Azevedo e Merval Pereira (excluo Sabino dessa porque não escreve sobre política), a editora Civilização Brasileira, que pertence ao grupo, continuava a publicar “Cadernos do Cárcere”, de Gramsci; “O Capital”, de Karl Marx; “Formação do Império Americano”, de Moniz Bandeira. Não são exatamente autores “de direita”, não é? O catálogo da Civilização fala por si mesmo.
Estamos diante de uma nova era. Há “flexibilidade demais nos significados”. Especialmente no significado da palavra “tolerância”. Publicar autores que são “opositores ao governo Lula” constitui uma espécie de sestro pessoal, de concessão, de tolerância, sim, mas uma outra: aquela que o gerente do restaurante dispensa ao cão que espera na porta as migalhas do dia.
A jornalista Raque Cozer não tem culpa de nada. Seu texto é articulado, correto, encadeado, muito adaptado ao estilo “perfil”. Não a estou demonizando aqui, não. Eu a estou localizando numa nova era, reitero. Eu estou demonstrando como a intolerância está se tornando o ar que repiramos, uma jeito de ver o mundo, uma banalidade, mais ou menos como quem diz “hoje é quinta feira”, para citar Musil outra vez.
Por Reinaldo Azevedo

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