Por Adriana Irion, do Zero Hora:
O ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Gilmar Mendes passou o
dia tentando evitar falar da polêmica causada com a matéria da revista
Veja na qual ele contou a pressão que sofreu do ex-presidente Lula para
adiar o julgamento do mensalão.Fervoroso defensor do julgamento, Mendes
não queria polemizar com o ex-ministro Nelson Jobim, que depois da
divulgação da matéria negou que a conversa tivesse sido no sentido de
interferir no julgamento a ser feito pelo STF. O encontro entre Mendes e
Lula ocorreu no escritório de Jobim, em 26 de abril, em Brasília.Ao
conceder entrevista a Zero Hora no começo da tarde, Mendes demonstrou
preocupação com o atraso para o início do julgamento e disse que o
Supremo está sofrendo pressão em um momento delicado, em que está
fragilizado pela proximidade de aposentadoria de dois dos seus 11
membros. Confira o que disse o ministro em entrevista por telefone:
Zero Hora — Quando o senhor foi ao encontro do ex-presidente Lula não imaginou que poderia sofrer pressão envolvendo o mensalão?
Ministro Gilmar Mendes — Não. Tratava-se de uma conversa normal
e inicialmente foi, de repassar assuntos. E eu me sentia devedor porque
há algum tempo tentara visitá-lo e não conseguia. Em relação a minha
jurisprudência em matéria criminal, pode fazer levantamento. Ninguém
precisa me pedir para ser cuidadoso. Eu sou um dos mais rigorosos com
essa matéria no Supremo. Eu não admito populismo judicial.
ZH — Sua viagem a Berlim tem motivado uma série de boatos. O senhor encontrou o senador Demóstenes Torres lá?
Mendes — Nos encontramos em Praga, eu tinha compromisso
acadêmico em Granada, está no site do Tribunal. No fundo, isto é uma
rede de intrigas, de fofoca e as pessoas ficam se alimentando disso. É
esse modelo de estado policial. Dá-se para a polícia um poder enorme,
ficam vazando coisas que escutam e não fazem o dever elementar de casa.
ZH — O senhor acredita que os vazamentos são por parte da polícia, de quem investigou?
Mendes — Ou de quem tem domínio disso. E aí espíritos menos
nobres ficam se aproveitando disso. Estamos vivendo no Supremo um
momento delicado, nós estamos atrasados nesse julgamento do mensalão,
podia já ter começado.
ZH — Esse atraso não passa para a população uma ideia de que as pressões sobre o Supremo estão funcionando?
Mendes — Pois é, tudo isso é delicado. Está acontecendo porque
o processo ainda não foi colocado em pauta. E acontecendo num momento
delicado pelo qual o tribunal está passando. Três dos componentes do
tribunal são pessoas recém-nomeadas. O presidente está com mandato para
terminar em novembro. Dois ministros deixam o tribunal até o novembro. É
momento de fragilidade da instituição.
ZH — Quem pressiona o Supremo está se aproveitando dessa fragilidade?
Mendes — Claro. E imaginou que pudesse misturar questões. Por
outro lado não julgar isso agora significa passar para o ano que vem e
trazer uma pressão enorme sobre os colegas que serão indicados. A
questão é toda institucional. Como eu venho defendendo expressamente o
julgamento o mais rápido possível é capaz que alguma mente tenha
pensado: “vamos amedrontá-lo”. E é capaz que o próprio presidente esteja
sob pressão dessas pessoas.
ZH — O senhor não pensou em relatar o teor da conversa antes?
Mendes — Fui contando a quem me procurava para contar alguma
história. Eu só percebi que o fato era mais grave, porque além do
episódio (do teor da conversa no encontro), depois, colegas de vocês
(jornalistas), pessoas importantes em Brasília, vieram me falar que as
notícias associavam meu nome a isso e que o próprio Lula estava fazendo
isso.
ZH — Jornalistas disseram ao senhor que o Lula estava associando seu nome ao esquema Cachoeira?
Mendes — Isso. Alimentando isso.
ZH æ E o que o senhor fez?
Mendes — Quando me contaram isso eu contei a elas (jornalistas) a conversa que tinha tido com ele (Lula).
ZH — Como foi essa conversa?
Mendes — Foi uma conversa repassando assuntos variados. Ele
manifestou preocupação com a história do mensalão e eu disse da
dificuldade do Tribunal de não julgar o mensalão este ano, porque vão
sair dois, vão ter vários problemas dessa índole. Mas ele (Lula) entrava
várias vezes no assunto da CPI, falando do controle, como não me diz
respeito, não estou preocupado com a CPI.
ZH — Como ele demonstrou preocupação com o mensalão, o que falou?
Mendes — Lula falou que não era adequado julgar este ano, que
haveria politização. E eu disse a ele que não tinha como não julgar este
ano.
ZH — Ele disse que o José Dirceu está desesperado?
Mendes — Acho que fez comentário desse tipo.
ZH — Lula lhe ofereceu proteção na CPI?
Mendes — Quando a gente estava para finalizar, ele voltou ao
assunto da CPMI e disse “que qualquer coisa que acontecesse, qualquer
coisa, você me avisa”, “qualquer coisa fala com a gente”. Eu percebi que
havia um tipo de insinuação. Eu disse: “Vou lhe dizer uma coisa, se o
senhor está pensando que tenho algo a temer, o senhor está enganado, eu
não tenho nada, minha relação com o Demóstenes era meramente
institucional, como era com você”. Aí ele levou um susto e disse: “e a
viagem de Berlim.” Percebi que tinha outras intenções naquilo.
ZH — O ex-ministro Nelson Jobim presenciou toda a conversa?
Mendes — Tanto é que quando se falou da história de Berlim e eu
disse que ele (Lula) estava desinformado porque era uma rotina eu ir a
Berlim, pois tenho filha lá, que não tinha nada de irregular, e citei
até que o embaixador nos tinha recebido e tudo, o Jobim tentou ajudar,
disse assim: “Não, o que ele está querendo dizer é que o Protógenes está
querendo envolvê-lo na CPI”. Eu disse: “O Protógenes está precisando é
de proteção, ele está aparecendo como quem estivesse extorquindo o
Cachoeira”. Então, o Jobim sabe de tudo.
ZH —
Jobim disse em entrevista a Zero Hora que Lula foi embora antes e o
senhor ficou no escritório dele tratando de outros assuntos.
Mendes — Não, saímos juntos.
ZH — O senhor vê alternativa para tentar agilizar o julgamento do mensalão?
Mendes — O tribunal tem que fazer todo o esforço. No núcleo
dessa politização está essa questão, esse retardo. É esse o quadro que
se desenha. E esse é um tipo de método de partido clandestino.
ZH — Na conversa, Lula ele disse que falaria com outros ministros?
Mendes — Citou outros contatos. O que me pareceu heterodoxo foi
o tipo de ênfase que ele está dando na CPI e a pretensão de tentar me
envolver nisso.
ZH —
O senhor acredita que possa existir gravação em que o senador
Demóstenes e o Cachoeira conversam sobre o senhor, alguma coisa que
esteja alimentando essa rede que tenta pressioná-lo?
Mendes — Bom, eu não posso saber do que existe. Só posso dizer o que sei e o que faço.