Se
volto um pouco no tempo, uns 20 anos, é certo que não me imaginava
chegar a esta altura da vida obrigado — obrigação moral e ética! — a
escrever certas coisas. “Ter de defender valores essenciais da
democracia daqui a 20 anos? Isso não será necessário! Quem será doido o
bastante para contestá-los?” E, no entanto, há doidos o bastante para
isso. E eles estão no poder! “Ter de defender o direito de Israel de
existir? Isso não será necessário! Quem será doido o bastante para
contestá-lo?” E, no entanto, há doidos o bastante para isso. E eles
estão no poder.
Só ontem à
noite me chegou às mãos, com certo atraso, um texto asqueroso, escrito
por um tal José Reinaldo Carvalho, secretário nacional de Comunicação do
PCdoB. Não fosse ele um dos dirigentes nacionais de uma sigla com
assento no Congresso, que está no governo federal e na administração da
cidade de São Paulo, com possibilidades efetivas até de eleger a
prefeita de Porto Alegre, que indicou a candidata a vice na chapa do
petista Fernando Haddad, em São Paulo, deixaria passar. Não vou.
Carvalho produziu um texto delirantemente antissemita, que ele pretende
apenas “antissionista”. O antissionismo é a mais recente fachada do
antissemitismo. Usa-se o combate ao caráter supostamente racista do
nacionalismo judeu, o que é uma falsificação miserável da história, para
expressar o ódio aos judeus. Vamos ver.
Quando o
terrorista Mahmoud Ahmadinejad, que preside o Irã, veio ao Brasil para a
Rio + 20, a Confederação Israelita do Brasil publicou este anúncio em
alguns meios de comunicação:
Como vocês
veem, qualquer dos grupos mencionados no anúncio pode marcar um “x” na
referência que lhe diz respeito. As alternativas não se excluem. Elas se
somam. As tiranias não se fazem com um ou dois ódios, mas com muitos.
Pois bem. Carvalho, DIRIGENTE DO PCdoB — e desconheço que o partido
tenha desautorizado o seu texto —, escreveu a boçalidade que segue em
vermelho. Comento em azul.
Sionistas incitam o ódio ao Irã no Brasil
Os
sionistas, que em tudo se assemelham aos nazistas, utilizaram-se nesta
quarta-feira (20) do seu enorme poder econômico para destilar seu ódio e
sua intolerância racistas contra o Irã, por meio de um anúncio
publicitário veiculado nos principais jornais do país, os panfletos
impressos do PIG.
O ódio das esquerdas aos judeus não é uma
novidade, embora Karl Marx, o pai de todos, fosse judeu, a exemplo de
Trotsky, Kamenev (cujo sobrenome era Rosenfeld), Zinoviev e Sverdlov,
para citar alguns. O antissemitismo de extrema direita costumava dizer
que o comunismo era mais uma invenção judaica para dominar o mundo. Os
nazistas, Goebbels em especial, gostava de se referir aos inimigos que
tinham de ser destruídos como os “bolcheviques judeus”. A União
Soviética não pôs fim ao antissemitismo muito presente na Rússia
czarista — os “Protocolos dos Sábios de Sião”, que traziam um suposto
complô judaico e maçom para dominar o mundo, foi uma invenção da
Okhrana, a polícia secreta do czar Nicolau 2º. Ao contrário: sob Stálin,
os “pogroms” contra os judeus continuaram. Assim, se a ignorância do
tal Carvalho do PCdoB não disputasse espaço com seu antissemitismo
bucéfalo, ousaria dizer que ele é herdeiro de uma tradição. Mas ele é
nada mais do que estúpido. Afirmar que os “sionistas se assemelham aos
nazistas” — que eliminaram 6 milhões de judeus — só não é provocação
barata porque moralmente criminosa. Mas estou certo de que Carvalho,
além de achar que é justo, também se quer um homem sagaz.
O anúncio é
assinado pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), um dos
famigerados lobbies do movimento sionista internacional. Agride o chefe
de Estado da República Islâmica do Irã que visita a partir de hoje o
Brasil para participar da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente, a Rio+20.
Carvalho está entre aqueles que acreditam
que judeus podem ser injuriados e difamados por motivos que ele,
Carvalho, pode nem saber quais são, mas que suas vítimas conhecem muito
bem. Essa é uma das essências do preconceito. O agressor quase nunca
sabe por que agride, mas está certo de que o outro sabe por que está
sendo agredido. O que há, afinal de contas, de “famigerado” na Conib? Se
chamado a se explicar, ele não conseguiria. No máximo, seria obrigado a
tartamudear: “Bem, eles juntam um monte de…, de…, bem…, de judeus!!!
Em sua peça
mal ajambrada, os sionistas homiziados na Conib propagam seus valores
racistas e anti-islâmicos, utilizando os recursos que aprenderam com
seus êmulos goebelianos - a mentira mais deslavada.
Este delinquente intelectual não sabe como se entrega. Ao escolher o verbo “homiziar-se”,
diz o que pensa dos judeus — ou revela, quem sabe?, um desejo. O
significado de “homiziar-se”, na acepção empregada por ele, é “furtar-se
à vigilância ou à ação da Justiça”. Ou ainda: “furtar(-se) à vista;
esconder(-se), encobrir(-se)”. O dirigente nacional do PCdoB, partido
que está no governo Dilma, partido que está na gestão Kassab, partido
que indicou a candidata a vice de Fernando Haddad, partido que tem
chances de eleger a prefeita de Porto Alegre, acha que judeus são
bandidos que fogem à vigilância — ou, ao menos, deveriam ser tratados
como tal; acha que tentam “esconder-se” ou “encobrir-se”, como ratos ou
conspiradores — ou que, ao menos, deveriam ser tratados como tal. O nome
disso é ódio. O nome disso é preconceito. O nome desse ódio e desse
preconceito é “antissemitismo”.
Carvalho
achou que não tinha sido abjeto o bastante. Ele foi além. Chamou os
nazistas de “êmulos” dos judeus. “Êmulo” quer dizer “concorrente”,
“competidor”. Para o dirigente nacional do PCdoB, judeus e nazistas eram
meros competidores, concorrentes, categorias que disputavam uma mesma
coisa… Como os nazistas ganharam, mataram seis milhões nos campos de
concentração e nos guetos. SE O PCdoB MANTÉM ESTE SENHOR NA DIREÇÃO DO
PARTIDO, ENDOSSA SUAS PALAVRAS.
E, claro,
cabe perguntar: o que há no anúncio da Conib que seja “racista” ou
“anti-islâmico”? A menos que Carvalho entenda que apedrejar mulheres,
enforcar homossexuais em praça pública, prender opositores, perseguir
minorias religiosas, entre outras barbaridades citadas no anúncio, sejam
práticas que definem o islamismo. E isso a Conib não disse. Prestem
atenção ao que vem agora.
Ignorando
que estão instalados em um país democrático e tolerante, como o Brasil,
que mantém relações amistosas com o Irã, e onde todas as confissões
religiosas professam suas crenças livremente - graças, aliás, ao Partido
Comunista do Brasil, que fez inscrever o princípio da igualdade
religiosa na Constituição de 1946, contra a intolerância da Igreja
Católica Apostólica Romana de então - os sionistas da Conib tentam
incitar o ódio de outras religiões contra a fé islâmica.
Começo pelo fim. Não há uma só crítica à fé
islâmica no anúncio. Ali se listam práticas hoje corriqueiras no Irã
dos aiatolás, de que Mahmoud Ahmadinejad é presidente. Yousef
Nadarkhani, por exemplo, foi condenado à morte por ter se convertido ao
cristianismo. Carvalho finge estar cobrando da Conib respeito ao
islamismo, mas é mentira. Ele cobra é “respeito” — isto é, submissão — a
Ahmadinejad para que este não respeite ninguém. Associar comunismo a
liberdade religiosa é coisa de mau-caratismo intelectual. Se os
comunistas, à época, pudessem e tivessem maioria para tanto, teriam
feito o que fizeram em todos os países em que chegaram ao poder:
perseguir as religiões.
ATENÇÃO! Os judeus da Conib “não estão instalados”
num país democrático. A maioria é composta de brasileiros, senhor
Carvalho! Ainda que não fossem, teriam o direito a se manifestar. Ao
recorrer à expressão em negrito, ele pretende açular o preconceito
contra o “judeu apátrida”, o “intruso”, aquele que “tem sempre uma
agenda secreta” contra os interesses do país. É o que pensava Hitler
dos judeus alemães e dos judeus de qualquer parte. Por isso tentou
eliminá-los.
Igualmente,
incitam as mulheres, os homossexuais, advogados, jornalistas, cineastas e
ativistas políticos a se manifestarem contra o visitante, o qual, além
de participar das atividades da ONU na Rio+20, cumprirá no Brasil uma
intensa agenda de trabalho e contatos com autoridades do governo,
representantes da sociedade civil, intelectuais e demais formadores de
opinião.
Judeus são mesmo perversos, não é?, sempre
incitando pessoas inocentes a fazer o que não querem!!! Bem, esse é um
dirigente nacional do PCdoB. É aquela sigla que usa o que não presta
para esconder o que presta menos ainda. Explico-me. O comunismo, por
óbvio, como provam cento e tantos milhões de mortos, é lixo moral. Mas
os comunistas do Brasil — como sabe hoje Paulo Maluf, a quem o PCdoB se
aliou em São Paulo — não querem mais saber de revolução; eles querem é
grana. Lembrem-se do escândalo das ONGs no Ministério dos Esportes.
Lembrem-se da dinheirama que a UNE pegou para convênios e que usou para
comprar, entre outros divertimentos, uísque! Alguns bananas foram ouvir
uma palestra de Ahmadinejad. Um dirigente da UNE, do PCdoB, estava lá e
deu ao facinoroso uma bandeira da entidade, que ficou manchada com o
sangue de inocentes.
A peça
publicitária da Conib acusa o Irã de ser uma ditadura. Mas é nos
cárceres infectos do Estado sionista israelense que se encontram presos
mais de dez mil palestinos, uma grande quantidade dos quais estão presos
pelo “crime” de opinião. Entre esses prisioneiros há também crianças.
Dez mil uma ova! É mentira! Há 4.500
palestinos em prisões israelenses, que poderiam ser consideradas um
paraíso se comparadas àquelas da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, em que,
respectivamente, Hamas e Fatah prendem os próprios palestinos acusados
de crime comum ou de conspiração. E não estão lá porque foram flagrados
tomando suco de laranja. Outra mentira: não há presos por crime de
opinião em Israel. A detenção de “crianças” é mais uma peça da máquina
de propaganda anti-israelense. O que chama “crianças” são jovens
recrutados por grupos terroristas para atacar forças israelenses. Basta
pesquisar órgãos de informação minimamente isentos para que se chegue
aos fatos.
De maneira
particular, chama a atenção a última mentira do citado anúncio. Os
sionistas se apresentam como “amantes da paz” e incitam os pacifistas
brasileiros a se manifestarem contra a “ditadura nuclear” iraniana. Ora,
o Irã não tem armas nucleares.
O governo iraniano quer a bomba e já prometeu varrer Israel do mapa. Ponto!
Ditadura
nuclear mundial é a que exercem os patrões dos sionistas, os
imperialistas estadunidenses, que além de possuírem um imenso arsenal de
armas atômicas e outras de destruição em massa, foram os únicos que
explodiram a bomba atômica por duas vezes, em Hiroshima e Nagasaki, e
nunca se comprometeram a não mais repetir semelhante crime. Ditadura
nuclear exerce o Estado sionista, títere do imperialismo no Oriente
Médio, sendo o único possuidor de armas nucleares na região.
“Estadunidense” é como as esquerdas que
mamam nas tetas do dinheiro público no Brasil chamam os americanos…
Judeus, para Carvalho, não têm vontade própria. São apenas serviçais de
seus “patrões” imperialistas. Seria penoso demais ter de explicar a esse
camarada que as bombas foram, sim, um horror em si, mas que o horror
poderia ter sido maior, ter-se prolongado e ter matado muito mais gente
sem elas. Aí já seria um debate intelectualmente adulto, coisa para a
qual, obviamente, este prosélito vulgar não está preparado.
Insisto, no
entanto, que, em sua ignorância imodesta, ele diz mais do que certamente
gostaria que percebêssemos. Então Israel é só um “estado títere” do
imperialismo? Isso nos faz supor que, não fossem os EUA, o país nem
sequer existiria. Huuummm… Lembro que Israel ganhou sozinho todas as
batalhas que travou, muito especialmente as de 1967 e 1973, sem que os
EUA tivessem de disparar um tiro. Aliás, asseguro ao senhor Carvalho
que, se o Irã realmente se aventurar na construção da bomba, Tel Aviv
não pedirá autorização a Washington para agir.
Mas afirmei
que ele diz mais do que pretende. Explico: se Israel é só um estado
títere, então não tem razão de existir. Derrotado o imperialismo, com o
que deve sonhar Carvalho, os israelenses seriam ou lançados ao mar ou
jogados numa grande fogueira.
Além da
ditadura nuclear, o Estado sionista pratica uma política expansionista e
de extermínio do povo palestino, sendo uma ameaça para todos os povos
árabes e não árabes da região.
Extermínio do povo palestino? Ser
delinquente intelectual deve dar algum prazer. Ou não haveria tantos. O
sociólogo alemão Gunnar Heinsohn fez em 2008 um estudo comparativo sobre
a morte de civis em conflitos desde 1950. O israelo-palestino, pasmem
vocês, ocupava a 49ª posição, com 51 mil vítimas ao longo, então, de
SESSENTA ANOS! E mortos dos dois lados, é bom deixar claro. No Brasil,
morrem 51 mil pessoas assassinadas por ano! Em 20 anos, foram vítimas de
homicídio mais de um milhão de brasileiros!
No ranking
das mortes elaborado por Heinsohn, em primeiro lugar, está a China, com
40 milhões; em segundo, a URSS, com 10 milhões; em terceiro, a Etiópia,
com 4 milhões; em sétimo, o Camboja, com 1,870 milhão; em nono, a guerra
URSS-Afeganistão, com 1,8 milhão. O que esses casos todos têm em comum?
Os comunistas foram os protagonistas — os amigos de causa de Carvalho.
Ao incitarem o ódio racial, religioso e a intolerância no Brasil, são os sionistas israelenses os indesejáveis em nosso país.
Os chefes de Estado que chegam ao país para a Rio+20, entre eles o
presidente da República Islâmica do Irã, Mahmud Ahmadinejad, são
bem-vindos.
Segundo entendi, chama os judeus da Conib
de “sionistas israelenses indesejáveis”. Parece que o dirigente do PCdoB
quer um “pogrom” nativo. Não, Ahmadinejad não é bem-vindo! Que este
senhor ataque de maneira tão asquerosa a única democracia do Oriente
Médio, convenham, faz sentido. Quando morreu Kim Jong-Il, então tirano
da Coreia do Norte, em dezembro do ano passado, o PC do B emitiu uma
nota de pesar nestes termos:
“(…)
Recebemos com profundo pesar a notícia do falecimento do camarada Kim
Jong Il, secretário-geral do Partido do Trabalho da Coreia, presidente
do Comitê de Defesa Nacional da República Popular Democrática da Coreia e
comandante supremo do Exército Popular da Coreia.
Durante toda
a sua vida de destacado revolucionário, o camarada Kim Jong Il manteve
bem altas as bandeiras da independência da República Popular Democrática
da Coreia, da luta anti-imperialista, da construção de um Estado e de
uma economia prósperos e socialistas, e baseados nos interesses e
necessidades das massas populares.
(…)
Havia certo
humor involuntário na boçalidade. Desta vez, no ataque a Israel e a uma
entidade judaica, o partido passou de todos os limites. O texto é uma
manifestação rombuda de antissemitismo e merece o repúdio das pessoas
civilizadas. Resta saber se o PCdoB vai repudiá-lo ou se vai endossar a
afirmação de que os judeus brasileiros estão apenas “instalados” por
aqui, conspirando contra o Brasil. Se não obrigar o senhor Carvalho a
se retratar e não emitir uma nota pedindo desculpas, resta concluir que o
antissemitismo chegou ao coração do poder.
Artigo publicado originalmente às 6h05