O jornalismo que não usa lenço na cabeça nem venda nos olhos
Produz-se, enfim, luz no mundo acadêmico que tem como objeto de estudo o jornalismo. O site Consultor Jurídico publica um excelente artigo do jornalista Carlos Costa, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates. Leia.
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O caso Policarpo e a imprensa golpista
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O caso Policarpo e a imprensa golpista
Há excelentes histórias contadas pelo jornalista Fernando Morais em seu Chatô, o Rei do Brasil,
livro de que tenho algumas ressalvas, mas isso não vem ao caso aqui.
Uma das boas histórias narradas por Morais serve de verdadeira lição no
atual momento. Trata-se do episódio em que Assis Chateaubriand, ainda um
desconhecido jornalista, sai à procura de uma polêmica que o projete
nacionalmente. E o inimigo que “iria receber a estocada de seu florete”
aparece na figura do afiadíssimo sergipano Sílvio Romero, um dos grandes
intelectuais que esse país conheceu.
“A morte da
polidez” foi o título da série de cinco artigos, logo transformados em
livro, em que Chatô se mete na briga entre Sílvio Romero e o crítico
José Veríssimo, defendendo o segundo. Esperava que o famoso Romero
revidasse, colocando Chatô na evidência nacional pretendida. Raposa
esperta, Romero não revidou o ataque, abortando a pretensão do futuro
criador dos poderosos Diários e Emissoras Associados, primeiro império
de mídia do país.
Essa história veio à mente quando li o editorial do jornal O Globo, “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, resposta à capa da revista CartaCapital,
de 9 de maio. Deu margem à capa seguinte desta semanal de Mino Carta:
“Os chapa-branca da casa-grande”. E com isso Mino conseguiu a proeza que
Chatô buscou sem sucesso. E novamente replicou a capa da edição
anterior, com seu ex-patrão e desafeto Roberto Civita encimando a tarja
com o editorial de O Globo.
Mas isso é
apenas um ponto nessa complicada trama de muitos fios e nós. Estamos num
ano bissexto e de alta octanagem ideológica. E o que se esgrime na
mídia não é uma discussão de interesse público, como a ferida em chaga
viva da corrupção ou do uso do público em interesse privado, mas a
defesa de posições entranhadamente ideológicas. Não está em discussão o
“baile dos guardanapos”, protagonizado pela entourage do governador
carioca Sérgio Cabral, patrocinado pelo até há pouco dono da Delta
Construções, Fernando Cavendish. O governador já havia dito, tempos
atrás, que precisava criar um código de ética. Parece que ele não
aprendeu ainda a divisória entre público e privado no uso de
helicópteros, convites para “esbórnias” internacionais. Pior, incauto,
deixa-se fotografar em meio a festinhas típicas de adolescentes.
Não é
preciso ser grande analista (algo que esse escriba não é) para
estabelecer relações. Por exemplo, entre a criação da CPI do Cachoeira e
o julgamento do Mensalão, que dá sinais de finalmente entrar na agenda
do STF. A mídia, feito mariposa em redor da lâmpada, repercute jogos de
cena, como os do ex-presidente Collor, e perde o foco.
No afã de
embaçar, tirando o que é sério do foco, deputados e senadores que
integram a CPI levantaram dúvidas, há duas semanas, sobre a lisura do
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, nas investigações sobre
os negócios do contraventor Carlos Cachoeira. Presente no lançamento do Anuário da Justiça 2012,
deste Conjur, ocorrido na quarta-feira dia 9, nos jardins do STF em
Brasília, o procurador-geral foi alvo de animados abraços e de
manifestações de apoio de ministros do STF e juristas presentes.
Responsável
pela acusação dos 38 réus suspeitos de envolvimento no suposto esquema
de compra de apoio político no Congresso durante o governo do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador-geral Roberto
Gurgel retrucou: “Tenho dito que, na verdade, o que nós temos são
críticas de pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do
mensalão. São pessoas que na verdade estão muito pouco preocupadas com
as denúncias em si mesmo, com os fatos de desvio de recursos e
corrupção”.
Essa hipótese explica muita coisa.
Na coluna “Painel”, publicada naquela mesma quarta-feira 9, a Folha de S.Paulo
afirmava que o PT investe para transformar a CPI do Cachoeira, que
deveria averiguar a relação do contraventor com políticos, em uma
investigação do trabalho da imprensa. E o traque mais articulado nessa
direção foi o dado pela TV Record em sua revista eletrônica dominical e a
semanal de Mino Carta, trazendo para o centro da discussão o editor da
revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior: ele “já sabia das relações entre Cachoeira e Demóstenes”, afirma CartaCapital na capa do dia 16.
E aí sobram lições de “bom jornalismo” para todos os lados. Em alguns momentos, dá a impressão de estar lendo o Castelo de Âmbar,
a reportagem em forma de ficção em que Mino destilou, doze anos atrás,
seu ressentimento contra o ex-patrão, a quem agora insiste em comparar
com o australiano Rupert Murdoch. Nessas aulas sobre prática
jornalística, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) reproduz em sua página
na internet uma entrevista concedida ao blog “Viomundo” em que afirma:
“Na minha opinião, ele [Policarpo Júnior] extrapolou a sua
atividade profissional. Ele ficou muito além do que é permitido. E nós
temos de fazer a defesa do sistema democrático. Ele impõe limites ao
político, ao empresário e ao jornalista. Liberdade de imprensa não é
liberdade de prática criminosa. Liberdade de imprensa é uma luta pela
liberdade e não pela prática do ilícito”.
Como diz o
provérbio latino, que o deputado por ter feito um bom curso de direito
deve conhecer, “Ne sutor ultra crepidam”, não vá o sapateiro além das
sandálias. (E ficar muito além faz sentido? Ou foi muito além ou ficou
muito aquém.)
Miro Teixeira (PDT-RJ), outro deputado advogado mas que entende mais do que sandálias, por ter sido repórter do jornal carioca O Dia,
além de ministro das Comunicações, discorda do colega petista. Ao
classificar como um atentado à liberdade de imprensa e de caráter
persecutório a insistência do presidente da CPI (ninguém menos que
Fernando Collor de Mello) em incriminar o chefe da sucursal de Veja,
ele declarou: “A função do jornalista é investigar. O jornalista de
investigação conversa, sim, com pessoas próximas aos crimes”.
Fico num exemplo, o da revista Placar, quando
em 20 de outubro de 1982, fez a histórica denúncia “Desvendamos a máfia
da loteria esportiva”. Desmascarou 125 jogadores, juízes, técnicos,
cartolas e jornalistas envolvidos nas fraudes dos resultados de jogos da
loteria esportiva, fruto de um ano de investigação do jornalista Sérgio
Martins. Muitos procuraram desqualificar o mérito, alegando que o
repórter se baseara em informações de um ex-mafioso, um radialista
arrependido que fizera parte do esquema. Mas a quem Sérgio Martins
deveria recorrer? A alguma monja carmelita ou a algum pai de santo?
O editor de Veja
em Brasília fez o que um repórter faz: apura uma informação recebida,
dada por quem for, checa se é um dado plantado ou se é verdade, faz o
contraditório, como também se diz em jornalismo. O jornalista pode, sim,
sem problemas, ter relacionamento com ministros e governadores, como
fontes. Ou com bicheiros ou lobbistas.
O delegado
da Polícia Federal, Raul Alexandre Sousa, que comandou a Operação Vegas,
garantiu que não foi encontrado durante a investigação nenhum indício
que sugerisse relações indevidas entre jornalistas com a equipe de
Cachoeira, segundo publicou a Folha de S.Paulo. Já o delegado Raul Marques, em sessão secreta da CPI, insistiu que a relação entre o redator-chefe de Veja e o contraventor era a de um jornalista e sua fonte de informações.
Como se
mencionou nesta coluna há duas semanas, a profissão do jornalista também
é regida por um código de ética. E em seu artigo 6, este código afirma
ser dever do jornalista Ҥ 7 Combater e denunciar todas as formas de
corrupção, em especial quando exercidas com o objetivo de controlar a
informação”.
Não consta
que Policarpo Júnior tenha usado de subterfúgios condenados pelo Código
de Ética, como “valer-se da condição de jornalista para obter vantagens
pessoais” (artigo 7 § 9); “divulgar informações obtidas de maneira
inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras
escondidas ou microfones ocultos” (artigo 11 § 3).
Coisa que
não pode alegar o incauto governador do Rio, aquele do baile dos
guardanapos. Na semana passada, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP)
foi flagrado enviado uma mensagem prometendo a ele “blindagem”, na CPI
em andamento. Ou seja, alguém está se valendo de sua condição (de
deputado) para garantir vantagens (no caso, ao governador).
Para
terminar essa arenga sobre falta de ética, registro a fala do
ex-presidente Lula, que sempre negou saber do mensalão (improbidade
administrativa, por não estar atento às andanças de seus braços
direitos). Ao ser galardoado nesta segunda-feira com o título de cidadão
honorário da cidade de São Paulo, Lula se referiu ao mensalão como “um
momento em que tentaram dar um golpe neste país”. Como disse o
ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de
Souza (que denunciou os diversos membros do governo Lula envolvidos com o
mensalão, grupo por ele chamado de “quadrilha”), “Negar a existência do
mensalão é uma afronta à democracia”. Lula - e com ele o PT - prefere
entender que tudo não passou de uma baita armação da imprensa. Então,
vamos mandar para a fogueira o editor da Veja em Brasília. E não se fala mais nisso.
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