Fazendo perguntas regimentais, objetivas e técnicas, Joaquim Barbosa desmonta defesa de Pizzolato e, se querem saber, complica a situação de muitos outros réus. Vejam por quê
Escrevi
ontem um texto criticando a maneira como se desenvolve o julgamento do
mensalão. Não sugeri que seja por cálculo ou má-fé, não. Convenham: um
processo como esse é inédito. Achou-se a forma que está aí, longe de ser
a melhor. Entre outros motivos porque o procurador-geral teve cinco
horas para ler a sua peça acusatória e ficará mais de 30 debaixo de
vara. E os fatos vão se misturando aos não fatos.
Ontem, o
ministro Joaquim Barbosa fez uma coisa até agora inédita nesse
julgamento. Dirigiu perguntas ao advogado Marthius Sávio Cavalcante
Lobato, que defende Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil.
No debate
de que participei na VEJA, afirmei que um dos pilares da defesa (ou das
defesas) é sustentar o que a CPI e o Ministério Público já demonstraram
ser insustentável: a) que os empréstimos do BMG e do
Rural a Marcos Valério realmente existiram (eles têm documentação, o que
nunca se negou, mas eram de fachada); b) que o
dinheiro do fundo Visanet era apenas privado. Esse item “b” é importante
porque, se verdade fosse, descaracterizaria outra das acusações:
“lavagem de dinheiro”. Afinal, para que ela exista, é preciso o crime
antecedente — peculato, por exemplo. E se apropriar de dinheiro do Banco
do Brasil é peculato! Pois bem!
Ao fazer
perguntas ao advogado, além de tornar o julgamento mais dinâmico,
Barbosa conseguiu algo muito interessante. Com questões muito objetivas,
que não embutiam nenhuma análise ou opinião, as coisas se complicaram
não só para Pizzolato, mas para outros réus, cujas defesas estão
ancoradas na tese de que o dinheiro da Visanet era apenas privado. E não
era!
No Globo Online,
André de Souza e Evandro Éboli fazem uma excelente síntese do episódio.
Noto: Barbosa não fez nada que o Regimento não lhe permita. Os
ministros não têm interrompido os advogados, mas podem fazê-lo para
tirar eventuais dúvidas. E o ministro fez isso. Ele não contraditou ou
contestou o advogado. A pertinência de sua atuação consistiu exatamente
em apenas fazer indagações objetivas. Tenho pra mim que a defesa
desmoronou. Leiam.
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Na primeira intervenção do relator na parte reservada às defesas do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa acabou expondo contradições na defesa apresentada pelo advogado de Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. Sem emitir opinião, mas fazendo perguntas diretas, Barbosa cobrou do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato explicações sobre a origem dos recursos do Fundo Visanet que foram destinados à agência de publicidade DNA, de Marcos Valério e, depois, repassados para políticos ligados ao governo. No centro dos argumentos do Ministério Público Federal está a acusação de que o mensalão usou recursos públicos, supostamente desviados do BB.
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Na primeira intervenção do relator na parte reservada às defesas do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa acabou expondo contradições na defesa apresentada pelo advogado de Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. Sem emitir opinião, mas fazendo perguntas diretas, Barbosa cobrou do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato explicações sobre a origem dos recursos do Fundo Visanet que foram destinados à agência de publicidade DNA, de Marcos Valério e, depois, repassados para políticos ligados ao governo. No centro dos argumentos do Ministério Público Federal está a acusação de que o mensalão usou recursos públicos, supostamente desviados do BB.
Por quase
uma hora, o advogado tentou sustentar que seu cliente não tinha
autonomia para autorizar sozinho repasses milionários do Visanet para a
DNA. Tudo era feito, segundo ele, por decisões colegiadas da diretoria
do BB. O defensor ainda insistiu que os recursos liberados para a
agência não eram públicos. Já tinha acabado de falar quando o relator
pediu que ele retornasse à tribuna para esclarecimentos.
— Como se
dava o mecanismo de transferência do dinheiro, desse Fundo Visanet para a
agência de propaganda (DNA)? Quem determinava, o momento que
determinava, e o montante? Quem dizia? Havia algum comitê, algum órgão
que tinha esse poder de dar ordens para que o dinheiro fosse transferido
para a agência de propaganda?, indagou o relator.
— O Banco
do Brasil, quando pensava em fazer uma divulgação de sua bandeira, ele
fazia o projeto como está aqui (…). E citava qual era o projeto”, disse o
advogado.
— Quem era o responsável por isso dentro do Banco do Brasil?
— Naquela
época, era o comitê de marketing todo, era aprovado dentro do próprio
comitê. Não era aprovado individualmente. Era aprovado no comitê, que
fazia institucionalmente essa propaganda e era direcionado ao fundo.
O advogado
só não deu detalhes sobre como funcionava esse comitê. Em 2003 e 2004, o
comitê de marketing era composto por seis gerentes-executivos da
Diretoria de Marketing do BB e pelo diretor, que na época era o próprio
Pizzolato. Barbosa ainda quis saber da origem dos recursos repassados
para a DNA:
— De onde saía esse dinheiro para a propaganda dos cartões de bandeira Visa, inclusive o do Banco do Brasil, o Ourocard?
— Cada
banco tem sua bandeira Visa. Então, quando Vossa Excelência usa seu
cartão Visa, faz uma compra, um percentual dessa sua compra é destinada a
esse fundo, vai compor esse fundo para essa propaganda. Por isso, é
eminentemente privado. Porque esse dinheiro é composto por dinheiro
privado. Ele não tem aportes financeiros de nenhum dos acionistas —
disse o advogado ao ministro.
Laudo
feito por peritos da Polícia Federal, porém, dá outra explicação: “Os
recursos destinados ao Fundo de Incentivo Visanet foram disponibilizados
pela própria Visanet e eram compartilhados pelos ‘incentivadores’ de
acordo com a participação acionária de cada um na empresa. Nesse
sentido, é possível inferir que o Banco do Brasil, na condição de
acionista e quotista do Fundo, era o titular dos recursos da quota a ele
disponibilizada”.
Em outras
palavras, havia recursos públicos do BB no Fundo Visanet. Para
arrematar, o relator indagou ao advogado qual era a relação jurídica
entre a agência de propaganda e o Visanet. O advogado não respondeu. Na
verdade, o vínculo contratual da DNA não era com o Visanet. A agência
era contratada pelo Banco do Brasil. Barbosa se deu por satisfeito e
chegou a perguntar se outro ministro queria mais algum esclarecimento.
Ninguém quis e o advogado foi dispensado.
Antes dos
pedidos de esclarecimentos do relator, Lobato insistiu que seu cliente
não tinha poderes para tomar sozinho decisões no BB. O advogado ainda
apresentou documentos para dizer que Pizzolato não fazia parte do
Visanet e que o BB havia indicado na época um servidor para representar o
banco no fundo. E citou o nome de Léo Batista dos Santos, que teria
assinado as ordens de pagamento para a DNA.
No laudo
da PF, é dito que Pizzolato, “na condição de diretor de Marketing e
Comunicação do Banco do Brasil, aprovou repasses de recursos do Fundo
Visanet à agência de publicidade DNA Propaganda Ltda. nos montantes de
R$ 23.300.000,00 (vinte e três milhões e trezentos mil reais) em
06/05/2003 e R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) em
22/01/2004”.
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