Especialista em direito escreve longo artigo em site sobre direito e conclui: “Não cabem embargos infringentes no Supremo”. Não é que este leigo até que mandou bem???
Taí! Até que eu mando bem, hehe. O Consultor Jurídico
publica hoje um artigo de Lenio Luiz Streck demonstrando que não cabem
embargos infringentes no Supremo — logo, nem no caso do mensalão. E qual
é o ponto? O mesmo que observei aqui nesta manhã: a Lei 8.038. Eu não
sou da área, mas Streck é procurador de Justiça do Rio Grande do Sul,
com pós-doutorado em direito.
A
argumentação dele, obviamente, é bem mais técnica e detalhada do que a
minha. Embora fale para gente da área, num site voltado para questões de
direito, seu texto é claro. E traz argumentos adicionais.
a) Ele cita vários pronunciamentos de ministros do Supremo deixando claro o óbvio: se a lei colide com o regimento interno, vale a lei;
b) Streck lembra que o Supremo já considerou revogado um artigo do seu regimento, o 331, justamente em razão de uma lei.
a) Ele cita vários pronunciamentos de ministros do Supremo deixando claro o óbvio: se a lei colide com o regimento interno, vale a lei;
b) Streck lembra que o Supremo já considerou revogado um artigo do seu regimento, o 331, justamente em razão de uma lei.
Segue o
artigo de Streck. Saibam os leigos, como sou, que minha objeção, como se
vê, faz sentido. Os especialistas, contrários ou favoráveis à tese, têm
aí argumentos mais técnicos. De todo modo, insisto: as palavras fazem
sentido.
“Não cabem embargos infringentes no Supremo”
Perguntas e respostas
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulotrouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulotrouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.
Desse
modo, segui outra máxima da hermenêutica, que é a de desconfiar de
qualquer certeza. Não há jogo jogado. Se, como acredito, há sempre uma
resposta adequada a Constituição — o que implica dizer que há respostas
mais corretas que outras ou, até mesmo, uma correta e outra incorreta – a
obrigação é a de revolver o chão linguístico que sustenta uma
determinada tradição e, a partir dali, reconstruir a história
institucional do instituto. É esse o trabalho a ser feito. Ao mesmo
tempo, advirto que estou levantando a questão por amor ao debate e a
Constituição, no mesmo espírito que moveu o estimado e ilustre Luiz
Flávio Gomes a trazer à colação a possibilidade de nulidade do
julgamento em face de precedente da Corte Interamericana (leia aqui). Não vou discutir, agora, a tese de Luiz Flávio. Pretendo, neste momento, (re)discutir os embargos infringentes.
Com efeito, escrevi, recentemente, no artigo O STF e o Pomo de Ouro (ler aqui),
que é necessário que sejamos um tanto quanto ortodoxos em matéria
constitucional. E é exatamente por isso que trago à baila o debate
acerca do cabimento (ou não) dos embargos infringentes no caso de
julgamento definitivo do STF como instância originária.
O RISTF
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.
Mas,
então, qual é o problema? Há algo de intrigante nisso? Aparentemente, a
questão estaria resolvida pela posição que o STF assumiu no julgamento
do (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED,assim ementado:
“Não
se mostram suscetíveis de conhecimento os embargos de divergência nos
casos em que aquele que deles se utiliza descumpre a determinação
contida no art. 331 do RISTF. A utilização dos embargos de divergência
impõe que o embargante demonstre, cabalmente, a existência de dissídio
interpretativo, expondo, de modo fundamentado, as circunstâncias que
identificam ou que tornam assemelhados os casos em confronto, para fins
de verificação da relação de pertinência que deve necessariamente
existir entre o tema versado no acórdão embargado e a controvérsia
veiculada nos paradigmas de confronto. (…) O STF, sob a égide da Carta
Política de 1969 (art. 119, § 3º, c), dispunha de competência normativa
primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito
processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua
competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição
de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que
passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ
151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade
constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os
acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331).” (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-2011, Plenário,DJE de 6-12-2011.)
No caso
objeto do referido AI 727.503 – AgR-ED-EDv-AgR-ED, disse o STF que as
normas regimentais de direito processual, produzidas sob a égide da
Constituição anterior (1967-1969), foram recepcionadas pela atual
Constituição (Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: a)
eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com
observância das normas de processo e das garantias processuais das
partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos
órgãos jurisdicionais e administrativos). Pronto. Isso encerraria a
discussão. Afinal, o art. 333 do RISTF que estabelece o “recurso” dos
embargos infringentes, quando existirem quatro votos favoráveis ao réu,
valeria como norma processual.
Tão simples, assim?
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.
Aliás, esse Acórdão do STF deve ser lido em conjunto com outros do mesmo Supremo. Por exemplo, “O
espaço normativo dos regimentos internos dos tribunais é expressão da
garantia constitucional de sua autonomia orgânico-administrativa (art.
96, I, a, CF/1988), compreensiva da ‘independência na estruturação e
funcionamento de seus órgãos’.” (MS 28.447, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25-8-2011, Plenário, DJE de 23-11-2011.) Vide: ADI 1.152-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1994, Plenário, DJ de 3-2-1995.
Ainda:
“Com o
advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo
de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais,
cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a
edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às
garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’
(CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às
garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes,
direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as
normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da
jurisdição. (…) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-2006, Plenário, DJde 12-5-2006.)
Ou, talvez
“Em
matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos
tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e
LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e
resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de
norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o
julgamento da ação direta.” (ADI 1.105-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 3-8-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)
Ou
“Portanto,
em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor,
em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos
jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os
direitos processuais das partes.” (HC 74.190, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 15-10-1996, Primeira Turma, DJ de 7-3-1997.)
Veja-se: desde que respeitadas as regras de processo…!
Não se
interpreta por partes. Em termos hermenêuticos, vai-se do todo para a
parte e da parte para o todo, formando-se, assim, o hermeneutische Zirkel (círculo
hermenêutico). Texto é contexto. O RISTF só existe no contexto do campo
significativo que emana da Constituição. Nesse sentido, parece que a pá
de cal na discussão pode estar na quase desconhecida ADI 1289, pela
qual o STF entendeu o cabimento de embargos infringentes em ação direta
de inconstitucionalidade.
RISTF v. Leis
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.
Assim, é
possível dizer que, nesse contexto, se o STF considerou não recepcionado
(ou revogado) o RI (no caso, o art. 331) pelo advento de Lei que não
previu esse recurso (a Lei 9.868), parece absolutamente razoável e
adequado hermeneuticamente concluir que o advento da Lei 8.038, na
especificidade, revogou o art. 333 do RISTF, que trata de embargos
infringentes em ação penal originária (na verdade, o art. 333 não trata
de ação penal originária; trata a matéria de embargos infringentes de
forma genérica, mais uma razão, portanto, para a primazia da Lei 8.038,
que é lei específica). É o que se pode denominar de força pervasiva do
comando constitucional previsto no art. 96, I, a, na sua combinação com o
art. 22 da CF. Veja-se: um limita o outro. Se é verdade que se pode
afirmar – como fez o STF – que normas processuais previstas em regimento
interno são recepcionadas pela CF/88, também é verdade que qualquer
norma processual desse jaez não resiste a um comando normativo
infraconstitucional originário da Constituição de 1988. Isto porque, a
partir da CF/88, um regimento interno não pode contemplar matéria
estritamente processual. Ora, a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para
regular o processo das ações penais originárias. Logo, não há como
sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF
que trata da matéria de modo diferente.
Easy ou Hard Case?
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.
Sigo.
Nenhum dos acórdãos do STF até hoje enfrentou questão envolvendo
diretamente a superveniência da Lei nº 8.038/1990, que, efetivamente – e
isso parece incontestável -, estabeleceu a processualística aplicável
às ações penais originárias. E, acreditem, nem de longe estabeleceu o
“recurso” dos embargos infringentes. Isto é, não há julgamento tratando
da antinomia RISTF-Lei 8.038. No máximo, o que existe é menção, em obiter dictum,
de que, em determinado caso, não seria caso de embargos infringentes
(v.g., SS 79.788-ED, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 1.2.2002).
Portanto,
não estaríamos, neste caso, em face de um impasse hermenêutico? Indago:
embora o STF diga – em um determinado caso que não é similar ao que
estamos tratando – que as normas processuais estão recepcionadas, essa
posição se manterá quando se colocar a pergunta: pode o RISTF sobreviver
a uma Lei Ordinária, que, na sua especialidade (leia-se essa palavra no
sentido técnico), veio para regulamentar a Constituição de 1988?
O papel do RISTF
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno… Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno… Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.
Mais: é possível admitir a sobrevivência (recepção?) de um dispositivo do Regimento Interno que vem do ancién régime,
destinado, exatamente, a proporcionar, em “casos de então”, um reexame
da matéria pelos mesmos Ministros, quando, por exemplo, era possível a
convocação de membros do Tribunal Federal de Recursos? Hoje qualquer
convocação de membros de outras Cortes é vedada. Logo, em face de tais
alterações, já não estaríamos em face de um “recurso de embargos
infringentes”, mas, sim, apenas em face de um “pedido de
reconsideração”, incabível na espécie.
Como se
vê, existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de
embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF. Esses
embargos infringentes previstos apenas no RISTF e que foram ignorados
pela Lei 8.038, parecem esvaziados da característica de recurso. Tudo
está a indicar que, o que possui efetivamente tal característica, é a
figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de
jurisdição, que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por
mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da
composição originária.
Outro ponto intrigante e que reforça o hard case diz
respeito ao seguinte ponto: pelo RISTF, a previsão dos embargos
infringentes cabíveis da própria decisão do Órgão Pleno do STF necessita
de quatro votos. E por que não cinco? E por que não apenas três? Quem
sabe, dois? Ou apenas um voto discrepante? Por outro lado, seria (ou é)
coerente (no sentido dworkiniano da palavra) que, em uma democracia, uma
Suprema Corte – que, no caso, funciona como Tribunal Constitucional –
desconfie de seus próprios votos? Não seria uma capitis diminutio pensar
que o mesmo Ministro – vitalício, independente – que proferiu voto em
julgamento em que podia, a todo o momento, fazer apartes, dar-se conta
de que, ao fim e ao cabo, equivocou-se? Ou seja: um Ministro condena um
cidadão que tinha direito a foro especial (privilegiado) e, depois, sem
novas provas, dá-se conta de que “se equivocou”…
O risco do paradoxo
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação… (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal… Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação… (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal… Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.
Ora, no
caso do processo civil, além de toda a teoria exposta, a resolução
torna-se ainda mais simples, uma vez que há dispositivo legal que
explicita a questão (não parece que seria realmente necessário),
especificamente o artigo 1.214, que fala que “Adaptar-se-ão às
disposições deste Código as resoluções sobre organização judiciária e os
regimentos internos dos tribunais”.
Assim, parece interessante que examinemos essa problemática. Desde o caso Marbury v. Madison,tem-se
a tese da rigidez Constitucional. Isso quer dizer que não é qualquer
legislação que pode alterar a Constituição. E tampouco leis ordinárias
podem ser alteradas por Regimentos Internos. Por isso, já que a questão
das “lendas urbanas” está se proliferando – e digo isso com todo o
carinho, até porque essas discussões fazem com que todos possam crescer
-, lanço minhas dúvidas sobre esse hard case (cabem mesmo
embargos infringentes nos processos criminais de competência originária,
na medida em que a Lei que regulamentou a processualística – 8.038 –
não tratou da espécie?).
Minhas
reflexões são de índole constitucional-principiológica. Sempre escrevi
que os julgamentos devem ser por princípio e não por políticas. Ou seja,
julgamentos judiciais não podem estar baseados na subjetividade
plenipotenciária do intérprete, tampouco no interesse de grupos ou
ideologias. Julgamentos devem se fundamentar em princípio e sempre devem
traduzir uma interpretação que apresente o melhor sentido para as
práticas jurídicas da comunidade política. E, portanto, não devem ser ad-hoc.
Isso quer dizer que o STF deverá, em preliminar, examinar a antinomia
infraconstitucional e constitucional da equação “RISTF-Lei 8.038-CF/88”.
Para o processo do “mensalão” e para os casos futuros. O STF terá que
dizer se o seu RI vale mais do que a Lei nº 8.038/1990. Se sim, muito
bem, legitima-se qualquer “recurso de embargos infringentes”; se não,
parece que o veredicto do plenário será definitivo. Eis o hard case para descascar.
PS: não
parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se
mantêm em face do “princípio” (sic) do duplo grau de jurisdição, isto é,
na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja
julgado em única instância, isso faria com que o sistema teria que lhe
proporcionar uma espécie de “outra instância” (sic). Com a devida vênia,
esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida
constitucional. O foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um
amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. Há garantia
maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal Maior, em sua
composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos
extremos? Um acusado “patuleu” tem duplo grau porque é julgado por juiz
singular; um acusado “não-patuleu” (com foro no STF) não tem o duplo
grau exatamente porque é julgado pelo colegiado mais qualificado na
nação: o STF, em full bench. E não parece ser pouca coisa, pois não?
[1].Como
bem dizem Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, cabem aos
Regimentos Internos “o respeito à reserva de lei federal para a edição
de regras de natureza processual (CF 22,I), bem como ‘as garantias
processuais das partes “dispondo sobre a competência e o funcionamento
dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’. São normas de
direito processual às relativas às garantias do contraditório, do devido
processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação
processual, como também as normas que regulem os atos destinados a
realizar a causa finalis da jurisdição.”(Cf. Constituição Federal Comentada, SP, RT, p. 465).
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