Toffoli tem de declarar a própria suspeição se não quer ser visto como suspeito. Ou: Cuidado, ministro! Lula ficará com as glórias; ao senhor, pode sobrar só o opróbrio! É peso demais para um homem ainda jovem!
Tem início
na quinta-feira aquele que é, sem dúvida, o julgamento mais importante
da história do Supremo Tribunal Federal. Em muitos aspectos, e voltarei
ao tema em outros posts ao longo da semana, ele vai determinar que país
teremos e quais métodos e instrumentos são e não são aceitáveis na luta
política. Uma das figuras que chamam atenção nessa história é José
Antonio Dias Toffoli, 45 anos, o mais jovem membro do STF. Se não mudar
de ideia, tem mais longos 25 anos na Casa. Fui, e não é segredo pra
ninguém, um crítico severo de sua indicação. Expus os meus motivos, e
meus critérios não mudaram.
Lembro, no
entanto, que já elogiei seus votos aqui mais de uma vez. E, obviamente,
também não me arrependo. Para elogiar ou para criticar, baseava-me em
fundamentos do estado democrático e de direito. Está tudo em arquivo. Já
nos falamos ao telefone umas três ou quatro vezes, acho. Uma conversa
lhana, amistosa, sem qualquer sombra de ressentimento por parte dele. Um
bom sinal. Toffoli está, no entanto, prestes a fazer uma grande bobagem
com a sua biografia. “Mas isso é problema dele, Reinaldo!” No que
concerne à sua vida e à sua carreira, é mesmo, e eu não me atreverei a
ser seu conselheiro. Só que a sua trajetória pessoal se enlaça, desta
feita, à do país.
Não dá! O
ministro já foi advogado do PT, assessor de José Dirceu e sócio de um
escritório de advocacia que defendeu três mensaleiros. Caso não se
declare suspeito para participar do julgamento, uma questão surge no
meio jurídico brasileiro: o que é necessário, então, para caracterizar a
suspeição? Existe a possibilidade de que, a despeito desses vínculos
todos, ele surpreenda e condene os réus? Sempre há. Mas não há quem
acredite nisso. E por motivos, eis a questão, que nada têm a ver com a
qualidade da peças acusatória e de defesa.
“Mas ele
tem necessariamente de condenar para provar sua independência, Reinaldo?
Quer dizer que esse julgamento só pode ter um resultado?” Eis duas
excelentes questões. O corpo de jurados não pode ter vínculos de
qualquer natureza com os réus justamente para que não se duvide da
natureza da decisão de cada um de seus membros. Toffoli sabe muito bem
que, fosse num caso em que os réus vão a júri popular, seu nome seria de
pronto recusado. Se não poderia, pois, dados os fatos, integrar um
corpo de jurados saído da sociedade, por que pode, então, compor esse
grupo especialíssimo? Minha pergunta não é meramente retórica. Gostaria
mesmo de saber qual seria sua resposta.
Reportagem
na VEJA desta semana, de autoria de Rodrigo Rangel, traz um emblema da
proximidade de Toffoli com Dirceu: nada menos do que uma procuração que
permitia ao agora ministro atuar numa causa em nome do agora réu.
Reproduzo a imagem (ficou na dobra da revista…) e um trecho do texto.
Volto depois:
“O
ministro atuou diretamente como advogado do principal réu do mensalão, o
ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, como mostra a procuração acima. Na
ocasião (o ano é 2000), Dirceu era deputado, e Toffoli foi encarregado
por ele de mover uma ação popular contra a privatização do Banespa. A
procuração concedia poderes legais a Dias Toffoli e a seu ex-sócio, o
também advogado Luís Maximiliano Telesca Mota, para atuar no processo em
nome de Dirceu. Por uma dessas reviravoltas da vida, José Dirceu hoje é
réu, Luís Maximiliano é um dos advogados de defesa no mensalão, e
Toffoli um dos responsáveis pelo julgamento que interessa a ambos.”
Advogado
ter procuração de cliente é a coisa mais comum do mundo. Ser o juiz
desse cliente por uma dessas vicissitudes da vida, aí já é coisa mais
rara.
É claro
que o voto de Toffoli, de absolvição ou de condenação, pode não ser
definidor do resultado. Mas é grande a possibilidade de que seja. Caso
ele faça a balança pender para o lado dos mensaleiros, será muito
difícil ignorar as informações contidas neste outro trecho da reportagem
de VEJA:
“(…)Até ser indicado para o STF, em 2009, Toffoli mantinha um escritório em sociedade com sua atual companheira, Roberta Rangel. Nesse período, a advogada foi contratada por três mensaleiros. Defendeu José Dirceu numa ação em que ele tentou barrar no Supremo a cassação de seu mandato. E. no próprio processo do mensalão, defendeu os ex-deputados petistas Paulo Rocha e Professor Luizinho, acusados de receber o dinheiro sujo do esquema. Ou seja, o ministro Dias Toffoli, caso não se considere suspeito, vai julgar o processo que já teve sua atual companheira como advogada dos réus, no período em que ele mesmo, Toffoli, era sócio dela no escritório. “A imparcialidade do julgamento passa necessariamente pela definição do ministro em relação a sua participação”, avalia Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
Por lei,
juízes de quaisquer instâncias são impedidos de julgar uma causa quando
forem parentes ou cônjuges de advogados de alguma das partes. Nesse
caso, o impedimento é imperativo. Dias Toffoli argumenta que é apenas
namorado de Roberta Rangel — muito embora, nas cerimônias oficiais do
próprio Supremo, a advogada desfile solenemente pelos espaços reservados
aos cônjuges dos ministros. Há, ainda, o outro dispositivo legal, o da
suspeição, capaz de orientar o ministro em sua decisão de participar ou
não do julgamento. Diz a lei que o juiz é suspeito quando tiver amigo
íntimo entre os envolvidos no processo, quando alguma das partes for sua
credora ou devedora, quando “receber dádivas” dos envolvidos antes ou
depois de iniciada a causa ou mesmo quando tiver interesse no julgamento
em favor de algum dos lados. Diz o jurista Luiz Flávio Gomes: “O
juridicamente correto, o moralmente correto e o eticamente correto seria
ele se afastar”.
Pois é…
O poder petista não é eterno. A história que Toffoli vai escrever nesse julgamento, queira ele ou não, é. Enquanto houver Brasil, será lembrada: pode ser um passo importante contra a impunidade; pode representar o mergulho de cabeça na lambança. Que se note: eu não estou aqui a exigir que o ministro vote contra seus amigos só para mostrar independência. Acho que seria essa uma postura até autoritária. Ele tem o direito de cultivar os seus afetos. Não é problema nosso! Quando, no entanto, esses afetos vão parar no banco dos réus, num caso que é do altíssimo interesse de todos os brasileiros, então, obviamente, isso nos diz respeito. Ele pode preservar as suas amizades e atender ao interesse público abstendo-se de participar.
O poder petista não é eterno. A história que Toffoli vai escrever nesse julgamento, queira ele ou não, é. Enquanto houver Brasil, será lembrada: pode ser um passo importante contra a impunidade; pode representar o mergulho de cabeça na lambança. Que se note: eu não estou aqui a exigir que o ministro vote contra seus amigos só para mostrar independência. Acho que seria essa uma postura até autoritária. Ele tem o direito de cultivar os seus afetos. Não é problema nosso! Quando, no entanto, esses afetos vão parar no banco dos réus, num caso que é do altíssimo interesse de todos os brasileiros, então, obviamente, isso nos diz respeito. Ele pode preservar as suas amizades e atender ao interesse público abstendo-se de participar.
Não custa
lembrar que Luiz Marinho, atual prefeito de São Bernardo, futuro
candidato do PT ao governo de São Paulo e atual porta-voz informal de
Lula, já se manifestou sobre a decisão de Toffoli: “Ele não tem o direito de não participar”. Marinho, um dos capas-pretas do petismo, falava como quem cobrasse o pagamento de uma fatura.
Sim,
ministro Toffoli! O único voto seu que provaria a sua independência
seria o de condenação, ainda que, independentemente de quaisquer
afinidades, considerasse a inexistência de fundamentos técnicos para
tanto. E é precisamente esse aspecto que revela, mais do que qualquer
outro, que o senhor tem de ficar longe desse julgamento.
Não fique,
ministro Toffoli, com a pior parte da história do petismo no poder! Não
se engane. A Lula, reservarão as glórias; ao senhor, a depender do que
aconteça, sobrará o opróbrio. Com essa idade, é uma escolha pesada e
precoce.
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