LIVRANDO A CARA DE MENSALEIRO – Quando a gramática é mais importante para entender a política do que Maquiavel
Posso
ficar estupefato com o relatório de Ana Arraes, no TCU — que será usado
como arma pelos mensaleiros —, mas não fico surpreso. Ela foi nomeada
com alguns propósitos, anunciados até por ela própria, e vai começar a
cumprir a sua missão. No dia 22 de setembro
do ano passado, ao conceder uma entrevista ao jornalista Heraldo
Pereira, para o Jornal da Globo, ela já dizia a que vinha. Acho que vale
a pena reler aquele post, em que coloco a gramática a serviço do
esclarecimento. Volto para arrematar.
*
Caras e caros, vocês querem ver como a gramática é uma ferramenta que serve à análise política? Sei que vocês gostam quando me dedico a esses exercícios. Vejam como as escolas fazem mal em deixar de lado esse instrumento de esclarecimento da razão. Antes do gramatiquês, algumas considerações.
Caras e caros, vocês querem ver como a gramática é uma ferramenta que serve à análise política? Sei que vocês gostam quando me dedico a esses exercícios. Vejam como as escolas fazem mal em deixar de lado esse instrumento de esclarecimento da razão. Antes do gramatiquês, algumas considerações.
A forma
como se deu a eleição da mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos
(PSB), para o TCU é particularmente importante porque ele é considerado
aqui e ali, de modo superestimado a meu ver, uma liderança emergente da
política, um homem especialmente hábil, chegado ao diálogo, um
construtor de consensos, essas coisas genéricas, imprecisas e um tanto
pastosas com que costumam definir no Brasil a falta de clareza, a
ausência de contornos programáticos, a paixão pelo conchavo, as costuras
de bastidores. Em suma: nesse particular, não há nada mais velho do que
o jovem Eduardo Campos, que se comportou como um coronel ao velho
estilo. Ah, sim: sua mãe é a deputada Ana Arraes (PSB), mas isso não tem
a menor importância. Se ela se chamasse Jocasta, Sevília ou Maricota,
daria na mesma. Ninguém votou nela, mas no filho.
Campos
ligou pessoalmente para todos os governadores, cabalando votos para mãe,
para que estes pressionassem suas respectivas bancadas. É verdade: se
um filho não apoiar a sua mãe, quem há de fazê-lo, não é mesmo? Quando
se é governador de Estado e quando a progenitora é deputada, estando em
disputa uma vaga num órgão de assessoramento do Legislativo e de
vigilância dos gastos públicos, é evidente que as ligações são mais do
que impróprias.
Elas
afrontam o princípio republicano. Uma coisa é endossar o pleito da mãe;
outra, distinta, é organizar a pressão, deslocando, inclusive, o alto
escalão do poder no seu estado para dar plantão na Câmara. É descabido.
Pela primeira vez na história, que eu saiba, havia até buttons
para pregar na lapela em defesa do nome da deputada. Campos pôs a mãe no
meio para testar o seu prestígio. Ele andou espalhando a história de
que, depois de lançada a candidatura, acabou se arrependendo. Não faz
sentido. Ele a patrocinou para testar o seu prestígio. Deve estar feliz
da vida.
É claro
que governadores ajudaram, inclusive os do PSDB, mas o grande cabo
eleitoral foi mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, que continua em campanha
para 2014. Ele também testava o seu prestígio. Os petistas e uma
parcela importante do PMDB migraram em massa para Ana.
A gramática
O sempre excelente Heraldo Pereira fez uma pequena entrevista com Ana Arraes para o Jornal da Globo. Se quiserem assistir, está aqui:
O sempre excelente Heraldo Pereira fez uma pequena entrevista com Ana Arraes para o Jornal da Globo. Se quiserem assistir, está aqui:
Vênia
máxima, Ana Arraes não tem a menor noção do que vai fazer no TCU. Ou
melhor: tem! Quer impedir a paralisação de obras, umas das teses de Luiz
Inácio Apedeuta da Silva. Os petistas usavam relatórios do TCU como
evidência de lambança quando estavam na oposição. Na situação, isso é
contra o povo. Como estamos nos acostumando aos descalabros, não nos
damos conta do absurdo da fala desta senhora. O tribunal não propõe a
paralisação de obras como quem diz “hoje é quinta-feira”. Há critérios
para isso. Mais ainda: há gradações. Na maioria das vezes, o tribunal
recomenda a correção de procedimentos e envia questionamentos sobre
custos. A paralisação é o último recurso, quando as evidências de
sobrepreço e irregularidades são clamorosas.
Do modo
como fala a deputada, fica claro que ela está indo para o tribunal com
uma agenda, com uma pré-pauta, com uma determinação, disposta a corrigir
o que parece errado. Quer ser uma espécie de ombudsman do grupo, como
se todos por lá só fizessem tolices e atuassem contra o povo. Leiam
isto:
“O TCU é um lugar político. Política não é só a partidária. Vou ao TCU servir ao meu país, servir ao povo do Brasil, zelando pelos recursos públicos, mas também com o olhar da política”.
“O TCU é um lugar político. Política não é só a partidária. Vou ao TCU servir ao meu país, servir ao povo do Brasil, zelando pelos recursos públicos, mas também com o olhar da política”.
A
gramática resiste mesmo diante da mãe de Eduardo Campos. Notem que Ana
recorre a duas orações adverbiais modais para dizer como vai servir a
seu pais:
a – zelando pelos recursos públicos;
b – olhando (“com o olhar da“) a política.
Tudo seria quase aceitável se ela não estivesse unindo essas duas orações com a conjunção adversativa “mas”. Como o nome diz, a palavrinha introduz uma ideia de oposição, de contraposição ao que fora antes enunciado. Assim, a deputada deixa claro que “olhar a política” está em oposição a “zelar pelos recursos públicos”. Sua atuação, como resta claro, tem como alvo o zelo pelo política, não pelos cofres.
a – zelando pelos recursos públicos;
b – olhando (“com o olhar da“) a política.
Tudo seria quase aceitável se ela não estivesse unindo essas duas orações com a conjunção adversativa “mas”. Como o nome diz, a palavrinha introduz uma ideia de oposição, de contraposição ao que fora antes enunciado. Assim, a deputada deixa claro que “olhar a política” está em oposição a “zelar pelos recursos públicos”. Sua atuação, como resta claro, tem como alvo o zelo pelo política, não pelos cofres.
A
gramática também denuncia alinhamentos ideológicos, ainda que o emissor
diga: “Ah, minha intenção foi outra…”. Se ela diz “zelando pelos
recursos públicos, mas também com o olhar a política”,
resta óbvia a suposição de que “o zelo pelos recursos públicos” não só
não é uma atitude política como pode ser uma ação contra a política, daí
o “mas”, a conjunção adversativa. Infelizmente, a análise das orações
revela a intenção sorrateira da mãe do governador.
Heraldo
Pereira, como se diz no interior, estava sentindo o cheiro da
brilhantina… E indagou: “Tem muitas obras paradas, com suspeita de
irregularidades, o que a senhora pretende fazer?” E ela achou que suas
escandalosas orações subordinadas adverbiais modais, coordenadas
adversativas entre si, não bastavam. É um espírito insaciável.
Respondeu:
“Que a fiscalização, ela não seja apenas um fim. O fim da fiscalização é ver o custo e a finalidade social. Embargar uma obra é um prejuízo muito grande. É preciso que a gente tenha a sensatez. Sou favorável à fiscalização, mas à paralisação não”.
“Que a fiscalização, ela não seja apenas um fim. O fim da fiscalização é ver o custo e a finalidade social. Embargar uma obra é um prejuízo muito grande. É preciso que a gente tenha a sensatez. Sou favorável à fiscalização, mas à paralisação não”.
Já
expliquei que há critérios para recomendar a paralisação, o que só
ocorre em último caso. A cereja do bolo do rolo retórico de Ana não está
aí, mas aqui: “O fim da fiscalização é ver o custo e a finalidade
social.” Entenderam? Assim como a deputada faz uma oposição entre “zelar
pelos recursos públicos” e o “olhar da política”, ela também opõe a
questão do “custo” à “finalidade social”. Entendo que ela se verá
tentada a aprovar muita coisa que deveria ser embargada… em nome do
social!
Com Ana,
são 10 os ministros do TCU. Sozinha, ela nada poderá decidir. Não sei
qual pode ser o grau de contaminação de suas orações modais e
adversativas no tribunal. O que sei é que nunca antes na história destepaiz alguém anunciou a deliberada intenção de integrar um grupo para fazê-lo atuar contra as suas prerrogativas.
Ana diz o
que quer. Ainda que não dissesse, a gramática diz por ela. Quanto a
Eduardo Campos, dizer o quê? Há nisso tudo um método. Ele dá uma ideia
do Brasil que tem em mente.
Arrematando
Como fica claro, a ida de Ana Arraes para o TCU não foi em vão. O tribunal já se deixou convencer. E com uma pressa realmente estupefaciente!
Como fica claro, a ida de Ana Arraes para o TCU não foi em vão. O tribunal já se deixou convencer. E com uma pressa realmente estupefaciente!
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