É evidente que o PT e os petralhas transformaram a CPI num pelotão de fuzilamento de oposicionistas. Ou: A moral profunda desses gigantes da decência
Se
me perguntarem se acho que a venda da casa do governador de Goiás,
Marconi Perillo, está devidamente explicada, a resposta, obviamente, é
“não”. Parece haver gente demais da operação. E a tarefa de dirimir as
dúvidas é de Perillo, com o apoio do seu partido, o PSDB. Seria
realmente muito bom que uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito — do
Congresso Nacional, pois — estivesse disposta a investigar a fundo as
lambanças que o esquema Cachoeira trouxe à tona. Como todos sabemos, o
contraventor era apenas o braço regional de uma esquema muito maior, que
atende pelo nome de “Delta”. Ocorre que a CPI se transformou num
pelotão de fuzilamento a serviço do PT. E ponto final.
Digamos,
falo por hipótese, que se faça justiça caso Perillo venha a ser de algum
modo punido — além da punição já em curso, que atinge a sua reputação. E
os outros? Será que o PT está mesmo disposto a investigar? Um episódio,
mais do que qualquer outro, ilustra a disposição da comissão: no dia 5
de julho — eu estava de férias e, por isso, não escrevi sobre o assunto —
a comissão aprovou a convocação de algumas personagens, entre eles
Fernando Cavendish, dono da Delta; Luiz Antonio Pagot, ex-presidente do
Dnit, e Paulo Viera de Souza, ex-presidente da Dersa.
Muito bem!
Motivos óbvios explicam a convocação de Cavendish. Aliás, a demora em
fazê-lo é que é, por si, um escândalo. Pagot dirigia o órgão que mais
negociava com a Delta e caiu à esteira de uma pletora de escândalos no
Ministério do Transportes. Mas e Paulo Vieira de Souza, que parte da
imprensa chama “Paulo Preto”? Ora, é evidente que se trata de uma
tentativa de jogar São Paulo no escândalo — afinal, a grande batalha
eleitoral do petismo se trava mesmo é na capital paulista.
Além do
ânimo persecutório, o que justifica a convocação de Souza? Numa de suas
entrevistas, Pagot afirmou que ele fez pressão pela liberação de
recursos do Dnit para o Rodoanel, em São Paulo, e que o objetivo seria
fazer caixa de campanha. Certo! Então que se convoque. OCORRE QUE, na
mesma entrevista, ele afirmou que José Fillipi Jr., tesoureiro da
campanha de Dilma em 2010, arrecadou dinheiro das empreiteiras que
tinham contrato com o Dnit. Souza foi convocado, mas Fillipi Jr. não!
Segundo o petista Odair Cunha (MG), relator da CPI, nada há contra o
ex-tesoureiro de Dilma. E contra Souza, deputado, há exatamente o quê?
É claro que
vai haver um vagabundo ou outro que sairão a proclamar: “Olhem o
Reinaldo tentando defender os tucanos!” Dizem coisa pior do que isso. O
papel de vagabundos a soldo é fazer, afinal, vagabundices. O ponto,
evidentemente, é outro. Bruno Araújo (PE), líder do PSDB na Câmara,
lembra alguns números que são, sim, eloquentes: o PSDB governa metade do
PIB brasileiro e celebrou apenas 6% do montante de contratos da Delta
com o poder público. Os outros 94% estão nas mãos do PT (incluindo o
governo federal), do PMDB e do PR. E os tucanos é que vão parar no
paredão?
“Ué, se
cometeram irregularidades, eles que se virem…” Claro, claro! O laranjal
criado pela Delta, por exemplo, servia a quem? Ao governador de Goiás? É
evidente que a investigação é seletiva, tem alvo — e isso é coisa de
tribunal de exceção. Para os representantes da oposição, há um critério;
para os do governismo, outro. Querem outro exemplo?
Um dos
elementos destacados com ênfase pelos governistas no depoimento de
Agnelo Queiroz (PT), governador do Distrito Federal, foram as gravações
em que Cachoeira e sua turma expressavam o seu descontentamento com
decisões tomadas por Agnelo. As falas foram vistas como evidência de que
o contraventor tentava, sem sucesso, induzir as ações do governador. Na
gravação que veio a público recentemente, Cachoeira solta os cachorros
contra Perillo porque não consegue fazer as nomeações que pretendia
fazer. Pergunto: quando o esquema criminoso reclamava da resistência de
Agnelo, aquilo servia de evidência do bom comportamento do petista, mas,
quando reclama de Perillo, isso deve ser visto como prova contra o
tucano? Há algo de estranho aí.
Qual é? Esta
CPI será encerrada sem que se investiguem as relações da Delta com o
governo federal e com o governo do Rio de Janeiro? De quebra, ainda
estão tentando jogar São Paulo no imbróglio para ver se conseguem tirar
Fernando Haddad do pântano eleitoral? Os governistas, liderados pelo PT,
estão usando a maioria que têm na CPI para transformar a comissão num
tribunal de exceção. Atenção, “espadachins da reputação alheia” (a
expressão de Balzac; eu os chamo mesmo é de “vagabundos”): o que
caracteriza um tribunal de exceção não é apenas a punição injusta;
também é discricionário o tribunal que pune os inimigos, ainda que
merecidamente, e preserva os amigos de modo desmerecido.
Para
encerrar: é evidente que os deputados Odair Cunha (PT-MG) e Paulo
Teixeira (PT-SP) perderam, no ponto de vista ético, a condição de ser,
respectivamente, relator e vice-presidente da CPI. Os dois já se
comportaram como prosélitos da condenação de Perillo e da defesa de
petistas e outros governistas. Nunca antes na história destepaiz se viu
isso numa CPI. Também, convenham: esta é a primeira comissão da história
das democracias — não só da brasileira — em que a maioria forma um
comitê de investigação parlamentar para perseguir a minoria.
Boa parte
dos meus coleguinhas se contenta com a “justiça seletiva”? Eu não me
contento. Digamos que Perillo seja mesmo culpado e que o PT estivesse no
seu encalço por apreço à ética. As coisas estariam institucionalmente
no seu devido lugar. Ocorre que, para os petistas, pouco importa se o
governador é culpado ou inocente: o que importa é que ele é tucano — e
isso quer dizer “culpado”. Ou os mesmos gigantes da ética não se
ocupariam de, a um só tempo, fuzilar Perillo e defender os Dirceus,
Delúbios e Genoinos. Também nesse caso, pouco importa se são culpados ou
inocentes; o que importa é que eles são petistas — e isso quer dizer
“inocentes”.
Esses
professores de ética seguem uma máxima: os adversários são sempre
culpados, mesmo quando inocentes; os aliados são sempre inocentes, mesmo
quando culpados.
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