A diferença entre o jornalismo e a pistolagem financiada com dinheiro público
Há muito
tempo o governo federal e as estatais são a principal fonte de
financiamento (em alguns casos, a única) de um troço parecido com
jornalismo, mas que é outra coisa. E que coisa é essa? Trata-se de uma
central de difamação e de desqualificação de políticos da oposição, de
figuras do Judiciário e da própria imprensa. O dinheiro público é usado
com o objetivo de atender aos interesses do governo, mas mais
particularmente de um partido: o PT.
Participam dessa rede de difamação
sites, blogs, jornais, revistas e, se querem saber, até uma emissora de
televisão, que é uma concessão pública. O PSDB pediu que a
Procuradoria-Geral Eleitoral investigue o caso. E a turma, alimentada
com o capilé oficial, saiu gritando: “Censura!” Censura uma ova! Alguns
espertalhões, apostando na idiotia de seus próprios leitores, tentaram
se defender: “As estatais patrocinam também páginas que apoiam outros
partidos”. Eles escolhem a chicana. Nós escolhemos os fatos. Vamos lá.
Em primeiríssimo lugar, há uma grande,
gigantesca mesmo!, diferença entre expressar uma opinião, um ponto de
vista, um conjunto de valores — de direita, de centro, de esquerda,
alinhada apenas com a estrelas — e existir com o propósito único de
difamar este ou aquele. Era fatal que os mixurucas tentassem usar o meu
blog como uma espécie de contraexemplo: “Vejam lá, de vez em quando, há
anúncios de estatais no blog do Reinaldo Azevedo”. Há, sim! Só que não
cuido disso e são anúncios da VEJA Online. Depois que fechei a revista
Primeira Leitura, nunca mais falei com representantes da área de
publicidade de empresas ou de agências. Mas ainda que fossem anúncios
exclusivos no meu blog, será que estaríamos falando da mesma coisa?
Faço análise política segundo um ponto
de vista. Recorro à ironia, sim, mas não ao deboche sob encomenda. Sou
muito duro na defesa de alguns pontos de vista, mas nunca vou além dos
fatos; sou judicioso a respeito deles, o que é coisa bem distinta.
Argumento, argumento, argumento a mais não poder, de forma, às vezes,
exaustiva. Acabo de botar o ponto final no livro “O País dos Petralhas
II”, uma seleção de textos deste blog. Trata-se de um livro sobre
política. Não há xingamentos ali, como não há em “O País dos Petralhas
I”.
“Ah, mas você só fala mal do governo”.
Ainda que fosse absolutamente legítimo alguém “só falar mal do governo”
(ou da oposição, diga-se), nem isso é verdade. Elogiei há dois dias uma
decisão da Advocacia Geral da União sobre as terras indígenas, que
certamente contou com o apoio da presidente Dilma Rousseff. Quando
começou aquela onda bucéfala contra a construção de Belo Monte, não
entrei na chacrinha — porque nem tudo o que não é PT me interessa.
Quando o Banco Central decidiu cortar a taxa de juros, fui dos poucos
que aplaudiram a decisão — embora Guido Mantega não esteja entre as
figuras públicas que excitam a minha imaginação (e, creio, a de
ninguém). No caso do Código Florestal, as minhas posições não se
distinguiram muito das do Planalto. Escrevi ontem um texto sobre a greve
dos professores das universidades federais. Sou um crítico severo das
escolhas feitas por Fernando Haddad. Mas basta ler o que escrevi para
deixar claro que não aderi à pauta dos grevistas só porque, afinal, o
governo está numa situação difícil… Eu não peço licença para gostar
disso ou daquilo. E também não peço licença para não gostar.
À diferença do que dizem os promotores
da esgotosfera — afinal, eu sou um dos seus alvos permanentes, como fica
claro mais uma vez —, a área de comentários do meu blog não se confunde
com a baixaria que eles promovem. Os leitores expressam, sim, o seu
ponto de vista com muita clareza, mas os excessos são cortados. Se
escapam uma inconveniência ou outra — é muita gente opinando —,
advertido pelos próprios leitores, eu as excluo. Vocês sabem, no
entanto, do que eles são capazes os leitores “deles”. Não têm limites!
Patrocinados com dinheiro público, os responsáveis por aquelas páginas
deixam que prosperem a calúnia, a injúria, a difamação, o deboche, o
achincalhe puro e simples.
Acima, escrevo alguns parágrafos fazendo
a distinção entre a sujeira e um trabalho de análise política, pautada
por um conjunto de valores. É importante porque, reitero, o joio tenta
se fazer trigo para igualar o vicioso ao virtuoso. Mas ainda falta uma
questão essencial, definidora mesmo do que é o quê e de quem é quem. E
começo a tratar dela com um princípio, um fundamento. Fosse pelo meu
gosto, não haveria estatais no Brasil — nos EUA, por exemplo, esse
debate seria impossível —, a não ser um ente ou outro ligados à
segurança do estado e da sociedade, que dispensariam a propaganda. Nos
EUA, por exemplo, esse debate seria ocioso. Também pelo meu gosto, o
governo federal — neste governo ou em qualquer outro — jamais seria o
maior anunciante do país, o que é uma distorção da democracia
brasileira. Isso tudo, no entanto, existe.
Sendo assim, o centro do debate é outro.
EXISTEM VEÍCULOS QUE TÊM ESTATAIS EM SUA CARTEIRA DE ANUNCIANTES. DADAS
AS LEIS BRASILEIRAS, NÃO HÁ NADA DE ERRADO NISSO. POR QUE RENUNCIARIAM A
UMA RECEITA QUE ESTÁ DISPONÍVEL E QUE É DISPUTADA POR MUITOS? Isso é da
natureza do jogo. Como não dependem do governo federal ou das estatais
para existir, esses veículos podem, então, fazer um jornalismo
independente, que não se subordina à vontade desse ou daquele. Suas
reportagens, análises e opiniões são pautadas, pelo interesse público e,
claro!, pela linha editorial que adotam e pelo público com o qual
querem manter o diálogo mais estreito. Dediquem-se à economia, à
política, à cultura ou ao entretenimento, disputam o que chamo mercado
de ideias, e ninguém lhe impõe a pauta. Quantas vezes vocês já leram na
VEJA e nos demais veículos da grande imprensa críticas aos bancos ou à
indústria automobilística, embora se possam ver em suas páginas anúncios
dos bancos e da indústria automobilística? Esse é o mundo livre!
Mas há aqueles — e é disso que se cuida
aqui — QUE SÓ EXISTEM PORQUE SÃO FINANCIADOS PELO DINHEIRO PÚBLICO. Sem a
grana oficial ou sem o emprego numa estatal, não existiriam, não teriam
como se financiar. SÃO, EM SUMA, DEPENDENTES DE QUEM OS FINANCIA E
PASSAM A EXERCER, POIS, UM TRABALHO A SOLDO, SOB MANDO, SOB ENCOMENDA.
“Ah, Reinaldo, isso não pode ser feito
também com empresas privadas? Não existem pistoleiros que estão a
serviço de seus financiadores privados?” Claro que sim! E o fato é
igualmente lamentável no que concerne à ética jornalística, mas mesmo
aqui se note uma diferença: não estão lidando com dinheiro público. A
verba de anúncio de governos e de estatais, meus caros, em última
instância, pertence a todos os brasileiros — àqueles que apoiam e
àqueles que não apoiam o governo; àqueles que votaram e àqueles que não
votaram no PT.
Eis o caráter deletério dessa gente.
Quando o governo federal e as estatais financiam páginas ou revistas que
só existem em razão do dinheiro oficial; quando o governo federal e as
estatais financiam páginas ou revistas que se dedicam à difamação de
figuras da oposição, do Judiciário e da própria imprensa; quando o
governo federal e as estatais sustentam essas redes de desqualificação, é
evidente que assistimos a uma forma de privatização do estado, a
serviço de um grupo.
Alguns oportunistas gritam agora:
“Censura! Censura! Fulano quer censura!” É a tática de sempre! Recorrem
às Santas Escrituras da liberdade de imprensa para defender o Asmodeus
de todos os vícios, de todas as licenciosidades, de todas as baixarias.
Há, em suma, uma diferença entre os
veículos que contam TAMBÉM com governos e estatais na sua carteira de
anunciantes e aqueles que SÓ existem porque financiados por governos e
estatais. Os anunciantes, minhas caras, meus caros, são o esteio da
opinião livre. Sem eles, ficaríamos todos reféns do estado e de seus
entes. Quanto mais, melhor! A liberdade de imprensa deve, sim, depender
de todos os anunciantes para que não precise depender de nenhum em
particular. É o segredo dos países livres. A subimprensa, a rede suja,
não é nem quer ser livre. Existe para prestar serviço a quem paga as
contas. Ocorre que estamos falando de dinheiro público. Vamos ver o que
vai dizer o Ministério Público Eleitoral. Se não vir nada demais do que
está em curso, então tudo é permitido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário